Da queda-livre:
A partir dos quarenta apercebemo-nos que o tempo corre contra nós. E que podemos aterrar com vento de nariz ( vento contrário mas que nos estabiliza ) ou voar ao sabor do vento.
Penso que procuramos sobretudo o que nos dá felicidade. Procuramos o que nos cria uma certa libertação íntima que é necessária à liberdade. E poucas libertações são mais fortes do que a da superação do medo.
Passei o dia a treinar procedimentos de segurança (o que fazer no caso de o pára-quedas ter um incidente, ou de se aterrar num telhado, numa árvore, em água, ou de se ficar enrolado nos cordões), o tempo de de decisão no pára-quedismo é muito rápido, exige cabeça fria e sobretudo conhecerem-se os muitos riscos e olhá-los de frente. Na vida fugimos tantas vezes a encarar o risco e a nossa fragilidade.
A queda-livre dá-nos isso. A liberdade absoluta, liberdade que também é a de saber que viver por extenso pode ser perigoso.
Há muitos muitos anos a Sophia de Mello Breyner disse numa entrevista uma frase que nunca me saiu da memória: “se a gente cortar um dedo a duas pessoas, dói da mesma maneira, mas nem todos tocam piano com esses dedos”. Se me cortarem um dedo que eu tenha tocado piano antes.