Tenho uma dívida permanente com locais como este e pessoas como as da história que vou contar. Bebo da sua coragem.
Este lugar resulta de uma desobediência: ali não devia existir alegria, nem meninas a andar de skate. Façamos uma crónica do inesperado.
O dia de Hanifa começa com uma queda. Na descida da Wall Ride, uma rampa cuja inclinação é de quase 90 graus. Pode acontecer a todos. Até à melhor Skateborder de Cabul. Uns aprendem a andar, outros aprendem a cair, diria o Mia Couto.
Nevou na capital afegã. Está frio no pavilhão. Talvez os músculos da adolescente de 14 anos não estejam suficientemente aquecidos para a manobra difícil. Levanta-se rapidamente. Hanifa não é apenas Skateborder, é também treinadora de 13 meninas, principiantes. Aqui elas ensaiam voos, a alegria instala-se sem convite. Aqui apetece demorar o tempo.
Um em cada dois afegãos é uma criança com menos de 15 anos. Mas o que significa infância num país onde ir à escola é um privilégio de poucos e o trabalho infantil tão vulgar como o azul berrante do céu ? Só em Cabul existem mais de 80 mil crianças que lavam carros, vendem pastilhas elásticas ou se prostituem.
Locais onde se possa ser criança são raros. Este nasceu há nove anos. A ideia é de um nómada australiano, Olivier Percovich, que entretanto a exportou para o Cambodja, a Jordânia ou o Brasil. Estes Parques de Skate conjugam escola e desporto. O de Cabul tem 1200 alunos, quase metade são meninas. Os alunos são trazidos de casa por autocarros escolares para minimizar o risco de atentados ( a escola perdeu 4 alunos em atentados bombistas).
Em 2020, nos Jogos Olímpicos de Tóquio o Skate será pela primeira vez disciplina olímpica. Hanifa, um talento natural, treina para se qualificar. Um sonho do tamanho do mundo para uma menina afegã.