Há uma fotografia de Luiz Braga, que se enquadra na exposição No olho da rua, que mostra o detalhe de uma porta, em Belém do Pará, com a sua fechadura, e sobre a fechadura um pequeno prego com a função prosaica de guardar a chave de casa. Do lado de fora.
É metáfora belíssima da Amazónia, que é um mundo dentro do grande mundo e que nem sempre coincide com este. Embora a porta esteja fechada, a chave está lá para quem queira passar a ombreira da porta.
Nestes dias em que trabalhei na Rádio Rural de Santarém – uma rádio católica com 48 anos de existência e uma história belíssima – tive o privilégio de espreitar pela porta de um território entre o mito e a fronteira. Ouvi histórias, estranhas aos olhos de quem não conhece o universo amazónico – como a do Bispo, não vou dizer o nome, que criava uma jibóia no quintal e mandava colocar cobras no sótão da casa para controlar a praga de ratos – escutei música cabocla, li poesia, provei os sabores da floresta – tapeberá, açaí, cupuaçú, cacau – e dos rios – pirarucu, tambaqui, tacacá, avium – procurei mapear essa geografia de imensidão, essa Amazónia caleidoscópica. Que não é só recursos naturais, harmonia e exotismo, é feita de pessoas, dos seus dramas e alegrias diárias, de profundas injustiças, violência, mas também de modernidade e civilização (que já existia antes da rede Globo ter “descoberto” a Amazónia, mas isso é outro tema).
A porta está um bocadinho aberta, levo comigo o infinito de certos momentos. Esse rio (s) é a minha rua, como diz a canção.
PS – A fotografia que ilustra este post é do tacacá, a sopa típica desta região feita de camarão seco, goma, jambu (erva anestesiante, literalmente) e tucupi (caldo obtido da mandioca após fervura para extrair o veneno).
Que escrita bonita e que sorte a de poder viver momentos como os que descreve.Partilhe sempre.
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Estou a gostar muito desta série de posts. A história da fechadura é muito engraçada e significativa. E eu não sabia que a mandioca era venenosa.
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Gi existem duas categorias de mandioca ( e várias espécies diferentes) a mandioca brava (venenosa devido ao seu alto teor de ácido cianídrico) e a mandioca mansa, conhecida também como mandioca doce, macaxeira ou aipim. Macaxeira frita é uma delícia : )
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São lindos os postais e os textos magníficos, que nos transportam para esse lugar maravilhoso. Obrigado por partilhar 🙂
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É mesmo, há uma magia nas viagens que nos proporciona, oriunda num fascinante estilo mix que combina afetos e reportagem nat geo.:) Continuação dessas odisseias pela vida e pelos seus vários lugares
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