Alguns comentadores europeus bem pensantes vêem na atitude da chanceler, Angela Merkel, a origem de todos os males para a estabilidade da zona euro. O anti-germanismo tão agora em moda alimenta-se de velhas nostalgias, como a de Helmut Kohl assinando o livro de cheques de uma penada sempre que se avizinhava no horizonte uma tormenta para o “Projecto Europa”. Mas, é pura desonestidade intelectual pretender que a Europa a 27 tenha o mesmo carácter da Europa de Kohl, ou pretender que a Alemanha é a mesma vinte anos depois da reunificação.
Olhando com frieza para as coisas constata-se que a Alemanha se tornou num país “normal”: pensa em primeira linha nos seus interesses nacionais e depois nos da Europa. Como o fazem aliás os restantes vinte e seis. Ser europeísta não é acreditar na infalibilidade da Europa e abençoar tudo o que de lá vem. Principalmente se tiver de ser pago com dinheiro dos contribuintes.
A crise grega é uma crise do “Projecto Europa”, cuja coluna de suporte, é a chamada zona euro. E isso torna-se claro como água quando se ouvem os cânticos da sereia na Alemanha que apelam ao abandono do euro ao regresso ao querido D-Mark, o marco alemão.
Quando em 1999 os alemães aceitaram, a contragosto, a substituição da sua moeda nacional pela moeda europeia, fizeram-no porque lhe foram prometidas duas coisas. Primeiro, os membros da zona euro comprometiam-se, no âmbito do PEC, a manter em ordem as suas contas públicas. Segundo, os governos europeus não deviam contar com acções de socorro pela parte do Governo alemão, a célebre cláusula “no bail-out”. Agora, quando se constata que ambos os mecanismos de segurança falharam, a opinião pública alemã perdeu a confiança na Europa.
As sondagens mais recentes mostram que pouco mais de dez por cento dos alemães apoiam o uso de dinheiros dos contribuintes para ajudar a Grécia, aos seus olhos, um país perdulário, que viveu acima das suas possibilidades e que aldrabou as contas públicas. Para quem, como os alemães, vira duas vezes na mão uma moeda antes de a gastar, o despesismo é pecado capital.
Esta hostilidade da opinião pública é uma das causas próximas que explicam as “hesitações” da chanceler Angela Merkel. Os zelotas europeus da solidariedade rapidamente acusaram a governante de a sacrificar – e à estabilidade da zona euro – a troco de uns votos na Renânia do Norte Vestefália, o mais populoso estado-federado alemão, sem o qual Merkel perderá a maioria no Bundesrat, que lhe complicaria o exercício governamental. Sem dúvida que a táctica político-partidária teve aqui um papel de relevo. Porém, atente-se numa ordem de razão mais profunda. Existe na Alemanha um lobby fortíssimo de eurocépticos que se prepara para apresentar um recurso ao Tribunal Constitucional alemão, após a aprovação parlamentar da ajuda financeira prevista para esta sexta-feira, 7 de Maio, alegando que esta medida viola a cláusula de “no bail out”. Em última instância se Karlsruhe, decidir favoravelmente aos queixosos, isso poderia ditar a saída da Alemanha da zona euro e o fim da moeda única. E é esse perigo imenso que fez do caminho seguido por Merkel – da cura de austeridade draconiana imposta à Grécia e do envolvimento do FMI – no único possível e adequado. Ou alguém na Europa, para além dos saudosistas alemães, deseja o regresso do marco?
P.S.: Uma última nota em relação ao “Ditakt” de austeridade germânico. Na Alemanha costuma dizer-se “quem paga a orquestra escolhe a música”.
Eu. (em resposta à última pergunta).
E sim, tenho noção dos riscos e que acho mesmo que pode implicar o fim da UE. Acho que a Alemanha tem de deixar de assinar cheques em branco e quiçá, tornar-se uma Suíça, que tem um estatuto especial. Não é justo os alemães trabalharem para os europeus… É que não vejo mais ninguém empenhado na UE sem ser a Alemanha. E contra o meu país falo. Enche-me de tristeza tudo isto.
Beijinhos
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